Vitrolinha – Mutatis Mutandis
Tem pessoas que o destino faz manobras para entrar nas nossas vidas. Com o Lucas foi assim. Ele diz que nos conhecemos em 2009, no Diquinta, mas não tenho nenhuma lembrança deste encontro.
Três anos depois, na correria de estar em cima da hora e do som não estar montado, aquele moço de toca de lã, num outono nada frio, sorriu com os olhos, e pronto, tive certeza que ele ia ficar um bom tempo na minha vida.
Poucos dias depois ficamos amigos virtuais, e logo ele topou me fazer companhia numa festa em que eu ia discotecar, com a condição de aprender um pouquinho o ofício. No caminho, a gente começou a contar coisas da nossa vida como se a gente já se conhecesse a tempo, e lembro que no caminho de volta devo ter falado umas duas vezes “nossa parece que a gente se conhece há um tempão”. Eis que antes de nos despedirmos ele saca uma foto 30×40 de Guarda do Embau, tirada por ele, e me dá de presente. Virou a minha janela de frente para o mar.
Dia seguinte, depois de almoçar no Rong He, levei o Will e o Tom para conhecê-lo lá no Anhangabaú onde ele estava fazendo a funilaria das carroças do Projeto Pimp My Carroça. Não nos perdemos mais de vista. Fomos em festinhas, às quartas nos encontrávamos na USP para conversar ao pôr do sol antes de algum afazer do meu mestrado e da aula de capoeira dele, e criamos uns vários projetos juntos.
O primeiro foi uma banda em que ele toca percussão e eu discoteco, uma coisa inédita e arrasadora, mas ainda nunca ensaiamos.
Depois pensamos numa empresa para monitorar a cadeia produtiva de confecções, assegurando que não tem nenhum irregularidade, como trabalho escravo. Desta idéia, fomos falar com um dono de uma empresa que faz uniformes, o Sr. pai dele diga-se de passagem, que nos deu um banho de água fria, não comprando a nossa idéia. Mas não nos demos por vencidos.
Outro projeto que não avançou foi ele se tornar um Novaes. Nunca deu certo ele conhecer a minha prima Bruna, ocupada entre a faculdade em Taubaté e estágios voluntários no Quênia. Mas agora também nem adianta mais porque o coração dele tem dona que eu estou doida pra conhecer.
Às vezes as nossas conversas são em inglês, simplesmente para praticar. Temos uma diferencinha de idade, quando ele nasceu eu já estava indo para a terceira série, mas eu aprendo tanto com ele. Desde que existe uma mini água viva mortífera, vivendo nas águas de Townsville na Austrália, até umas chamadas para a vida mesmo, que ele me dá. Mas sei que eu ensino umas coisas para ele também, porque dia 29 de dezembro ele me ligou para falar que tinha elegido a melhor música ouvida em 2012, uma velha conhecida daqui do Vitrolinha, Clariô da Gal Costa:
E estes dias de férias, depois de fazer uma entrevista incrível para a minha dissertação de mestrado, a gente combinou de almoçarmos. Acabamos passando a tarde juntos, simplesmente não fazendo nada.
TUDO ISSO para falar que ao tirar tudo dos bolsos para fazer um raio-x panorâmico dos dentes, ele coloca na mesa CDs que ele queria se desfazer, e eu peguei para dar para o Tom brincar, para quem sabe ele parar de mexer nossos aqui de casa.
E um deles era dos Mutantes. E de lá da Francisco Morato eu tinha que ir para o Anhangabau. Coloquei o CD para tocar no carro e a primeira música era Ando Meio Desligado. Fazia um tempão que eu não ouvia esta versão.
A próxima era Top Top e enquanto estava parada no túnel da Rebouças comecei a dançar e fazer coreografias.
A terceira foi o Jardim Elétrico, lembrei da capa do disco de mesmo nome, com o gosto um pouco duvidoso, mas aumentei o som e repetia junto No jardim/ Eu me ligo/Em você/Planto cores/Mordo a fruta/Levo choques
Quando começou Não Vá Se Perder Por Aí, o som já estava no 16. Como tem música que a gente ouve muito em certas épocas, né? Esta eu ouvia de manhã, de tarde e de noite lá pelos idos de 2000, ainda na república da Cardoso de Almeida.
Não acreditei na próxima, Dois mil e Um! É uma doidera boa em parceira com o Tom Zé, a partir do poema dele, Astronautas da Liberdade. Fala da liberdade em uma viagem pelas galáxias e misturado com uma viola e sotaque caipira, contrastando com um refrão roqueiro com instrumentos elétricos. Estes dias a gente viu o documentário da Tropicália e conta quando os Mutantes foram apresentar esta musica no Festival da Record, ninguém acreditou naquele instrumento que a Rita Lee tocava, o theremin, que era uma caixa com dois osciladores de alta freqüência, e as antenas que reagem à aproximação da mão, bem parecido com a Beat Box que a gente tem aqui em casa. Olha este vídeo do festival, com o Gilberto Gil tocando acordeon.
Na faixa 06, Balada do Louco, lembrei do termo rock psicodélico. Lembrei ainda da casa da vó Dina, no quarto da tia Monica, em que a gente ouvia esta música e pulava na cama quando fala “se eu posso pensar que Deus sou eu e brrrrrr”. Lembrei também que perguntei para minha mãe quem era o Alain Delon e não fazia sentido para uma menina de 5 anos ele ser o símbolo de beleza.
A outra era It’s Very Nice pra Xuxu, aaaaaaaaaa, que empolgada que eu fiquei! É uma música de amor tão legal! Faz várias referências a outras músicas dos Mutantes. E quando morava na Navarro de Andrade a gente sempre que ouvia cantava em homenagem a nossa faxineira, Nice.
Quando começo o Once Upon a Time, da introdução de El Justiciero, quase tive um infarte (piada interna, hihihi). Socuerro, El Justiciero! Cha cha cha.
As duas que seguiram uma era Babe e a outra Baby. A primeira era o Desculpe Babe e a busca pela glóriaaaaaaa
A outra a clássica e linda Baby do Caetano Veloso, gravada e regravada por aí. E eu desci do carro para o meu compromisso no Anhangabaú no ritmo, Baby, Baby I Love you…
Voltei pro carro e começou a tocar A e o Z. Que loucura! Acho que nunca tinha ouvido inteira os seus 8 minutos e tanto de progressividade. E curti.
Depois desta, o rádio do carro não quis tocar a próxima. Dizia BAD ERROR BAD ERROR OWNERS MANUAL. Tudo bem, eu já estava feliz pra caramba!