Cozinha da Matilde

Sorbet de cajá-manga com flor de sal

Cajá-manga é minha fruta preferida desde sempre, adoro sua polpa carnuda, o sabor marcante e a acidez misturada com doce. Quando era criança adorava chegar ao caroço cheio de fibras e passar horas na brincadeira de deixá-lo limpinho sem nenhuma polpa remanescente.

Em Uberlândia aqui e ali a gente achava uma casa com pé no quintal e para mim isso era um sinal de riqueza incontestável e o principal adjetivo para se referir àquela pessoa dali prá frente, que passava a ser Fulana, a dona do pé de cajamangas! E em que pese eu não ter um pé no fundo do quintal de casa, tinha uma vizinha, a Dona Margarida, que tinha um enorme e que deixava o acesso livre para a criançada da vizinhança. Era uma festa.

Além de me fartar de comer, ainda aproveitava para, junto com meu melhor amigo de infância, o Rodrigo, levantar uns trocados vendendo as maiores – que a gente lavava, dava brilho com o pano de prato e arrumava em uma bacia, sobre um banquinho, na porta de casa e que em geral era arrematada pelo primeiro passante que não resistia a nossa estratégia de marketing! :) Depois torrávamos os trocados levantados no fliperama ou no cinema…

Também é chamado de cajarana ou simplesmente cajá. É comum na região do triângulo mineiro e em todo o Centro Oeste (em Brasília encontrei alguns pés carregados), também é encontrado no Rio de Janeiro e no Nordeste. Em Goiânia, quando é época (a temporada vai de abril à junho, ) tem sempre alguém vendendo pelas ruas em carrinhos de mão. Aqui em São Paulo é difícil de encontrar, mas não impossível. No Mercado da Cantareira sempre tem (mas custa os olhos da cara, por volta de R$ 20,00 o k), também encontro (com preços menores) no Mercado de Pinheiros e por mais inusitado que possa parecer, no Mambo aqui da Vila Madalena.

O tradicional é comer com sal, que potencializa seu sabor e ainda quebra um pouco da acidez. A fruta tem que estar bem madura para chegar na potencia máxima de sabor e suculência. Quando ainda está de vez,  quase não tem suco e costuma ficar bem azeda. Uma maneira de consumo bacana é fazer compota cozinhando os frutos inteiros, apenas sem casca, em calda de açúcar. O que garante cajá-manga o ano inteiro.

Neste ano não fiz a compota mas me arrisquei em um sorbet que servi com flor de sal em um jantar pros amigos. Ficou tão bom que no dia seguinte tive que fotografar aqui pro blog e a receita você confere agora:

Ingredientes

  • 450 ml de água
  • 450 g de polpa de cajá-manga – eu bati, coei, e cozinhei com 1 colher de açucar demerara por aproximadamente 10 minutos para que reduzisse um pouco a água. Espere esfriar antes de usar.
  • 100 g de açucar demerara
  • 75 g de glucose (2 colheres de sopa)
  • 2 colheres de sopa de merengue italiano

Modo de fazer

Ferva a água com o açucar e a glucose por mais ou menos 5 minutos (não é ponto de fio e sim uma calda rala). Deixe esfriar e misture com a polpa já fria.

Leve a mistura à sorveteira por aproximadamente 40 minutos. Acrescente o merengue italiano, bata por mais 2 minutos (até que incorpore e garanta a cremosidade do sorbet). Está pronto! Sirva imediatamente salpicado com flor de sal.

Merengue italiano – faça uma calda com 30 ml de água e 125 g de açúcar refinado – ferva apenas até levantar bolhinhas. Bata 3 claras em neve firme e vá acrescentando a calda ainda quente, em fio, até obter um merengue brilhante e firme.

Dica: tanto sorbets como sorvetes são melhores quando acabam de sair da máquina de sorvete. Depois de congelados eles perdem muito de sua textura cremosa, como você pode ver na foto do sorbet que ilustra a receita, que foi tirada no dia seguinte.

Harmoniza com… por Marcelo Pedro (No copo) e Marina Novaes (Na pick’up)

O sorbet de cajamanga tem sabor delicado, exótico, doce e com um final de acidez super intrigante. Aliás, a Letícia conseguiu chegar numa receita de sorbet que não é muito doce, não é enjoativa. Por isso, harmonizar com um vinho de sobremesa, muito alcoólico e doce não ficaria muito bom.

Uma opção bastante óbvia seria um espumante. Mas o forte do blog é fugir das opções óbvias. Por isso, pensei num vinho adocicado, mas não tão doce quanto os vinhos de colheita tardia, mais adequados para sobremesas menos sutis. Minha dica é um Moscato D’Asti italiano, um vinho branco adocicado e frisante, que deve ser servido frio (7 a 9oC), mas não gelado, e que por ser levemente doce e borbulhante, harmoniza super bem com esta sobremesa refrescante.

Uma opção legal é Moscato D’Asti Bricco Quaglia, um vinho leve e bastante frutado, e que por ter apenas 5,5% de álcool finaliza com leveza a refeição. Tim tim!

 

Para o harmonizar com esse sorbet fresquinho, indico Dois Cafés, da Tulipa Ruiz. Acabado de ser colhido do pé, quer dizer, lançado, (dia 31 de julho), o disco Tudo Tanto está disponível inteirinho para baixar no site dela.

Com sua musicalidade inata e de uma leveza flutuante, eu gosto das surpresas que o timbre da sua voz revela, como se naquele momento tivesse sido inventado. A família dela está representada, com seu pai, Luiz Chagas nas guitarras (ele que tocou com Itamar Assumpção no Isca de Polícia) e seu irmão Gustavo Ruiz, que assina sete das onze músicas do disco, e também produz o disco.

Com muitas referências, que passeiam entre Novos Baianos, Gal Costa, Caetano Veloso e o próprio Itamar, tem ainda participação do (nosso venerado) Criolo, em Víbora, em que além de co-autor participa com uns sussurros.

E Lulu Santos! Dividindo os vocais na gostosa, Dois Cafés. Uma crônica do cotidiano e seus simples desafios. E ele, ícone pop é a prova que pop também é bom. E inesquecível. E não efêmero. Caminho já da Tulipa. Como um cajá-manga com sal, para muitos estranho, mas indiscutivelmente delicioso.