Para Carmen – Caldinho de chuchu com camarão
Receita de Caldinho de chuchu com camarão do episódio Rio de Janeiro do programa Receitas Brasil da Sony.
Para ser feliz de verdade preciso de um bom prato de sopa e liberdade para cantar!
Era assim que Carmen Miranda definia felicidade. Nada boba ela. Sabia que as coisas boas da vida, aquelas que de fato importam, “se escondem” bem à nossa vista, em detalhes do cotidiano, como um aconchegante prato de sopa.
E foi especialmente para Carmen que pensei esse caldinho. Tinha acabado de ler sua biografia, escrita pelo Rui Castro, bem na época em que ela completaria 100 anos, e resolvi abrir as portas da Matilde para o público em sua homenagem. Fiz um almoço de domingo todo inspirado na pequena notável. O caldinho foi uma das entradas do menu, e ficou tão bacana que resolvi fazer sempre.
Aí que inverno chama caldinho, é época de chuchu, colhi uns lindos no finde lá no cafofo praiano… mega conspiração do universo por um caldinho de chuchu com camarão.
E o prato de sopa me levou de volta para Carmen, e Carmen me emociona. Muito além da it girl, e da Brazilian BombShell, Carmen era uma pessoa encantadora. Generosa, engraçada, uma mulher de vanguarda. Como Chiquinha Gonzaga, convivia com a diversidade e transitava no universo masculino com tratamento igualitário, em um tempo em que isso não era nem sonho para o mulherio.
Eu poderia ficar por horas contando histórias sobre Carmen… mas, como o assunto aqui é comida e o Rui Castro conta tudo lá no livro, voltemos à história do chuchu com camarão, que é a que interessa: Lá pelas tantas, já famosa na gringa, ela volta ao Brasil e, apesar de calorosamente recepcionada pelo povo nas ruas, é friamente recebida por uma plateia de elite com viés nacionalista/integralista, em uma apresentação no Cassino da Urca. Durante o show, usa algumas palavras em inglês e canta South American Way (seu hit nos estates), o que é a gota d’água para esse público, que passa a acusá-la de americanizada.
Os amig@s e parceiros do samba ficam inconformados com o tratamento recebido logo por ela, brasileira por amor e adoção, e resolvem dar uma sensacional resposta musicada: Disseram que eu voltei americanizada, composta por Luiz Peixoto e Vicente Paiva. Nela Carmen conta que nas rodas de malandros (suas preferidas) ela sempre diz Eu te amo, nunca I Love You, e encerra afirmando que na hora das comidas é do camarão ensopadinho com chuchu!
Bem, bobagem contar aqui que tenho todas as versões do hit e que está entre as minhas trilhas sonoras de vida… tão querida que agora tem até um prato em sua homenagem!
E com essa passo à receita, e deixo Marinit’s bem complicada para harmonizar este post!
O mais bacana dessa receita é que ela pode sair muiiiiiito barata! Você pode fazer esta versão aqui com camarões inteiros no fundo do prato, ou uma outra usando apenas o sabor das cascas e cabeças que você pode pedir ao seu peixeiro e levar pra casa sem gastar um tostão.
Porque na verdade todo o sabor do caldo vem da cabeça e das cascas, o camarão inteiro é apenas para dar “sustança” ao prato. São feitos dois produtos das cascas: o coral da cabeça e um fumet “simplinho” das cascas.
Já fiz muitas vezes a versão completa como entrada. Mas o que eu gosto mesmo é fazer de abre-alas para acompanhar uma cervejinha ou uma cachacinha quando faço frutos do mar. É um sucesso com os amigos e me deixa feliz da vida de poder aproveitar o camarão de cabo a rabo!
Ingredientes (4 porções)
- 12 camarões médios limpos (apenas com o rabinho)
- cascas e cabeças de camarões (peça para o peixeiro quando for comprar o camarão)
- 4 chuchus
- 1 dose de cachaça
- 1 cebola média brunoise (cubos mínimos)
- 1 dente de alho brunoise
- 2 pimentas bode (opcional)
- salsinha fatiada finamente (separar folhas dos talos e também fatiar finamente os talos)
- cebolinha verde
- azeite
- coral – um fio de azeite e cabeças e cascas de camarão
- fumet simples – cascas e cabeças de camarão; uma cebola, uma cenoura e dois talos de salsão e uma cortada em cubos grandes; 1 dente de alho esmagado com a faca; 5 grãos de pimenta-preta; 1,5 litro de água e talos de salsinha inteiros
Modo de fazer
Nessa receita nada se perde. Comece pelo coral e dele aproveite as cascas para o fumet que vai ser a base do caldo.
Coral
Lave bem as cabeças e cascas de camarão, escorra em uma peneira. Regue com um fio de azeite uma panela aquecida. Junte as cabeças e mexa rapidamente até que todas as cascas mudem de cor passando ao vermelho.
Repasse o conteúdo da panela para uma peneira (de preferência de metal), coloque um recipiente sob ela e então amasse as cascas com a ajuda de uma colher, retirando delas um caldo laranja, o coral! Reserve.
Fumet simples
Pegue as cascas do coral, volte para a panela, junte a água e os demais ingredientes (cenoura, cebola, salsão, alho, salsinha e pimenta) e deixe cozinhar em fogo baixo por 30 minutos, retirando as impurezas (espuma) que sobem da panela com a ajuda de uma escumadeira. Coe o líquido. O fumet está pronto. Reserve.
Caldinho
Corte ½ chcuhcu em cubos mínimos (brunoise) e reserve.
Corte o restante dos chuchus em cubos grandes.
Em uma panela, sue no azeite a cebola brunoise e os talos de salsinha (fatiados finamente) com uma pitada de sal. Acrescente o alho brunoise.
Junte os cubos grande de chuchu. Quando mudarem de cor acrescente o fumet. Deixe cozinhar até o chuchu estar bem macio.
Passe o caldo pelo mixer e deixe reduzir até o ponto de sua preferência. Ajuste o sal, acrescente o coral, deixe cozinhar por 1 minuto. Desligue.
Camarões e cubinhos de chuchu
Seque os camarões com uma toalha de papel. Polvilhe com sal e pimenta-do-reino a gosto. Pincele uma frigideira antiaderente com um fio de azeite e doure os camarões (1 min e 30 s de cada lado).
Quando todos os camarões estiverem dourados, junte a cachaça e incline levemente a frigideira para que entre o fogo da chama e assim flambe os camarões. Reserve.
Na mesma frigideira salteie os cubinhos de chuchu em um fio de azeite, apenas até que mudem de cor (eles deverão ficar crocantes e com o sabor roubado dos camarões).
Montagem
No fundo de um prato de sopa disponha os camarões e sobre eles o caldo. Polvilhe com os cubinhos crocantes de chuchu, salsinha, cebolinha, pimenta-do-reino e gotas de azeite extravirgem.
Bom apetite e viva Carmen Miranda!
Harmoniza com… por Marcelo Pedro (No copo) e Marina Novaes (Nas pick’ups)…
Em homenagem a Carmen Miranda, que apesar de ser reconhecida como uma das maiores artistas e cantoras brasileiras, nasceu em Portugal e chegou ao Brasil aos 9 meses de idade, vamos harmonizar o caldinho de camarão e chuchu, tão brasileiro, com uma bebida portuguesa: uma bagaceira ou uma aguardente vínica. A Letícia já tinha dado a dica ao falar de tomar o caldinho como aperitivo com uma cachaça, o destilado nacional. Mas como a Carmen foi a inspiração do prato, escolhi os destilados nacionais dos nossos patrícios portugueses.
A bagaceira é o destilado obtido do “bagaço” ou “engaço”, resultado da prensagem das uvas para a fabricação de vinho. Contém as películas, as sementes, por vezes a borra e outras partes da vinha, ricas em óleos essenciais, que dão os aromas e sabores típicos e acentuados das bagaceiras. É bebida muito ligada à tradição de fabricação familiar do vinho para consumo próprio, ou local. Costumam ser bastante alcoólicas, em torno de 40%-50%. A destilação do bagaço produz uma aguardente incolor, mas que pode ser armazenada e envelhecida em barricas de madeiras nobres, como carvalho, e assim tornam-se mais amareladas e com aromas e sabores emprestados do envelhecimento em madeira. Mas a maioria prefere tomar a bagaceira branquinha, sem madeira. Existem bagaceiras industrializadas, mas se você tem um parente ou amigo português, ele te recomendará a bagaceira caseira feito pela família ou conhecidos. É parecido com o que acontece com as nossas cachaças de alambique, dos sítios do interior de SP, MG, RJ e nordeste. Pelos mesmos motivos, existem as de boa qualidade, e as não tão boas. Portanto, é necessário que haja uma boa indicação da procedência. O conhecimento da fabricação da bagaceira foi a base para o desenvolvimento da destilação da cachaça brasileira, a partir do bagaço e do mosto da cana-de-açúcar no século XVII no então Brasil colônia.
O outro destilado, ou espirituoso como dizem lá na terrinha, é a aguardente vínica portuguesa, fabricada a partir de destilação de vinhos, em geral menos alcoólicas e com sabores mais suaves que as bagaceiras. São produzidas de modo mais profissional, afinal são feitas nas mesmas vinícolas que produzem o bom vinho português, o que faz das aguardentes vínicas portuguesas serem reputadas como das melhores da Europa, rivalizando com outros destilados vínicos, como Cognac, Brandy e Armagnac. Por serem destiladas de vinhos, guardam características das castas portuguesas tradicionais, e em particular as aguardentes destiladas a partir do vinho verde, que possuem acidez marcante e característica, produzem as aguardentes mais apreciadas. Diferentemente das bagaceiras, não são consumidas sem envelhecimento em barricas de madeira, processo que agrega complexidade e suavidade.
Enfim, comece com uma dose de bagaceira, para abrir o apetite, e finalize com uma dose de aguardente vínica, para ajudar a digestão. Saúde!
Me virei bem! ;)
Uma das minhas memórias afetivas mais vivas, é a da tia Carmen. Prima distante da minha avó, ela saiu do Rio Grande do Sul para ajudá-la a cuidar dos cinco filhos. Resultado, cuidou dos netos também, com muito açúcar, carinho e sotaque italiano.
Enfim, tudo isso para falar que por gostar demais da tia Carmen, eu gostava da Carmen Miranda. Só porque elas se chamavam CARMEN! Acho que por conta disso minha mãe também era fã, e desde pequeninha ouvíamos muito lá em casa as suas músicas.
Também ganhei e li o livro do Ruy Castro, e a admiração pela Carmen Miranda só se consolidou. Como a tia Carmen, era uma mulher que estava à frente de seu tempo. E o amor por uma, e a grandeza da outra não me deixou dúvidas, quando fiquei grávida, quanto ao nome do bebê, no caso de ser menina. Na verdade, ao me perguntarem se eu queria que o bebê fosse menino ou menina, eu não respondia, porque tanto fazia mesmo, mas eu gostava tanto do nome…
Ah, e sobre a harmonização! Esse Caldinho de Chuchu já veio com a música harmonizada! Mas como aqui nada é óbvio, depois de ouvir a original, escolhi umas releituras bem bacanas das músicas eternizadas pela Maria do Carmo Miranda da Cunha:
Ta-hí (Pra você gostar de mim). Marina De La Riva – Eu gosto que nessa versão tem uma batida deliciosa, que a cantora carioca de ascendência cubana sempre faz questão de marcar em suas canções. Fora que o violonista que sempre a acompanha é o querido Daniel Oliva.
De Papo Pro Ar (Ney Matogrosso-Batuque)- Ney Matogrosso – Em 2001 Ney Matogrosso gravou um disco chamado Batuque. E ele disse uma coisa super legal à época: “Eu conhecia essas canções sem saber porque as ouvia desde criança. Mas não faço um espetáculo da época de resgate, porque essas músicas não se perderam. Estão à disposição de quem as quiser cantar e gravar.” E é isso mesmo, não é? Aqui escolhi De papo pro ar, porque às vezes é isso mesmo que eu quero, pescar no rio Gereré.
South American Way – Marisa Monte – A Marisa Monte, nesse seu primeiro disco “MM”, de 1989, arrasa. E um dos destaques é essa música que já começa saudando as cantoras de rádio!
E o mundo nao se acabou – Adriana Calcanhotto – Essa música do Assis Valente é o máximo, dizendo o que se faria se o mundo fosse acabar. Adoro a parte do “gajo com quem não me dava”.
Chica Chica Boom Chic – Maria Alcina – Por último, deixei essa pérola da Maria Alcina. O que é essa introdução? Rock, afro beat, samba. Locura! Fico extasiada de ouvir! Depois entra o vozeirão dela… é difícil ficar parad@!