Gostoso demais #2 – Bolinho caipira
Chega junho e o Brasil inteiro entra em festa para comemorar Santo Antonio, São João e São Pedro, perpetuando uma tradição religiosa trazida pelos portugueses e que, ao longo dos anos, incorporou elementos da cultura africana e indígena, em especial no que diz respeito às comidas servidas durante os festejos, inserindo principalmente o milho e a mandioca, base de sustentação da alimentação latina e brasileira.
A partir daí e de outros ingredientes locais, põe-se a mesa junina com preparos tradicionais que são pura memória gustativa e contam a história de cada região: canjica, arroz-doce, curau, mugunzá, vinho quente, quentão, pinhão, bolo de fubá, mané pelado (ou bolo de mandioca), pé de moleque, paçoca (doce e de carne), pipoca, amendoim (assado, cozido, na casca ou fora dela, salgado ou doce), cuscuz, pamonha, bolo de milho, batata doce assada, milho verde (cozido e assado), queijadinha, tapioca… e a lista vai longe, isso sem entrar em especificidades locais como o cachorro quente nordestino com carne moída & salsicha & ovo & queijo ralado, tudo isso embalado pelo tempero com direito a coentro, pimenta-de-cheiro, pimentão e cominho… hummm… senti até o gostinho…
Mas eu vim aqui pra falar de um outro queridinho super local: o bolinho caipira do Vale do Paraíba, aqui em São Paulo, que já passei a receita aqui.
Até ir morar em São José dos Campos eu nunca tinha ouvido falar no danado e fora do Vale do Paraíba ninguém conhece, mas quem é do Vale enlouquece com a simples menção ao acepipe. É sem dúvida a barraca mais concorrida da quermesse, e
são reconhecidas as quituteiras que os fazem bem,
a fama corre à boca pequena.
Não há mesmo como resistir a esses deliciosos bolinhos amarelos ou brancos, crocantes por fora e cuja massa se mistura com o líquido que sai da carne durante a fritura e se transforma em um angu mole e bem temperado, que escorre quente pela boca, protegendo o recheio…
Eu não me esqueço de quando fui apresentada a ele aos 12 anos e, no ano seguinte, de quando participei de uma roda de bolinhos na casa paroquial da igreja do bairro: umas 20 donas de casa, todas em volta de uma travessa gigante de massa de farinha de milho, outra de carne moída crua bem temperada, enrolando os bolinhos recheados em formato de charutinhos pra quermesse de logo mais à noitinha. Entre um bolinho e outro, muita história e gargalhadas, e assim se passa o feitio do bolinho de geração pra geração.
De uma cidade pra outra acontecem pequenas variações na receita (farinha de milho branca ou amarela, carne de vaca crua ou cozida, de porco, linguiça…) e uma certa briga pela paternidade do acepipe, Jacareí saiu na frente e já declarou em lei específica, com direito à receita local, que ele é Patrimônio Cultural do município, como bem me lembrou o leitor Cesar Siqueira.
Uma das versões para sua origem diz que era recheado com peixinhos pequenos da margem do rio Paraíba, as piquiras, daí o seu formato, compridinho e afinado nas pontas, perfeitos pra cobrir um peixinho. Eu, que sempre estou olhando pra o que coincide nas comidas locais, não me esqueço que Minas Gerais tem a sua versão, o pastel de angu, com outro formato e recheios variados (entre eles o umbigo de banana). E não deixo nunca de pensar que a massa lembra muito em sabor as tortillas mexicanas, sendo nossa versão local.
O Brasil é gostoso demais, e junho tem gosto de festa.
E se você estiver no Vale do Paraíba,
tem gosto de bolinho caipira!
Você encontra mais receitas e mais histórias do bolinho caipira aqui:
Pra começar, João Rural, culinarista e pesquisador da cuilinária do Vale, ensina tudo na Tv Vanguarda Paulista:
e ainda:
Revista Globo Rural – Orgulho Caipira
Paladar – O bolinho caipira ameaçado – Dias Lopes